segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Casamento de Dona Graça e Seu Abel

               Falar dessas duas figuras tão importantes é um prazer enorme, apesar da saudade e da certeza de que não as verei mais nesta vida. Falar do passado é assim mesmo; buscamos as lembranças bem guardadas no baú e tentamos transformá-las em imagens reais, às vezes desbotadas pelo tempo, ou arranhadas pelos lapsos de que somos acometidos ao longo dos anos.
               Necessário se faz dizer que, o que  vou relatar aqui , são coisas não vivenciadas por nenhum de nós, visto que se tratam de fatos ocorridos antes de nosso nascimento. São lembranças do que os dois contavam das suas vidas e que ficaram gravadas na minha memória, retalhos da vida deles.
               Mamãe , orfã aos 10 anos, foi adotada por um tio, irmão da sua mãe, o tio Virgilio, que a tinha como filha, criando-a e educando-a junto de sua filha Luiza ( tia Luizinha ), que mamãe amava como irmã. As duas eram amigas inseparáveis e participavam juntas, de todos os acontecimentos , sempre envolvidas com a a igreja, que acredito tinha imensa influência nos jovens da sua época. Tio Virgilio, era farmaceutico e morou em vários lugares da zona da Mata de Pernambuco, como Gameleira, Palmares, Ribeirão,Usina Cucau, Usina Barreiros e creio que na Usina Trapiche também. Mamãe e tia Luizinha eram participantes das atividades religiosas, sendo as duas " Flhas de Maria" e cantoras do coral. Acho que foi na igreja também que mamãe aprendeu a tocar bandolim. Até na política as duas eram engajadas , sendo filiadas ao Partido Integralista, encabeçado por Plínio Salgado  e apoiado pela Igreja Católica e a princípio por Getulio Vargas. Mamãe contava que elas usavam roupa verde e se cumprimentavam com o termo Anauê. Elas eram muito atuantes pelo que sei, por suas histórias.  Mamãe, " Gracinha" como era conhecida, era muito prendada e exímia bordadeira, o que fazia com que fosse contratada pelas tradicionais familias para bordar os enxovais das filhas casadoiras. Por conta disso, era convidada a passar, às vezes meses nos engenhos ou na casa de alguém, bordando as roupas de linho para cama e mesa, deixando nelas, o seu perfeccionismo e arte do bordado à mão. Ela contava muita história dessas suas passagens pelas casas de parentes e amigos. Todos a adoravam , por ser uma moça muito tranquila e recatada, além dos seus dotes e prendas domésticas. Esse aspecto de sua personalidade pode ser usufruido por nós durante toda vida ao seu lado.
                  A familia dela era ligada de certa forma, à de Papai , mas os dois não se conheciam. A irmã de Papai, tia Mana, era casada com Silvano Queiroga, irmão de Tio Zizo, marido da tia de mamãe, tia Auta, que por sua vez, criou suas duas irmãs,  tia Glória e tia Nuninha . As duas famílias tinham forte ligação e como Gracinha estava até passando da idade de casar e ,já era uma " vitalina " aos 24 anos, começaram a se preocupar em arrumar um casamento prá ela. É aí que entra o Seu Abel Peres, solteirão de 34 anos, já passado da idade e sozinho.
                Papai, depois da morte de sua mãe e não gostando nem um pouco da sua madrasta, saíu de casa e foi morar com tio Marcelo, seu irmão mais velho, com quem aprendeu tudo sôbre usina de açúcar. Tio Marcelo era quimico formado e viveu muito tempo em Sto Amaro, na Bahia, onde trabalhou em usina. Papai passou longo tempo com ele e foi aí que namorou uma moça, chamada Mariana, irmã da mãe de Caetano Veloso. Quase casou com ela, mas o destino o tinha reservado para aquela que passaria a vida toda ao seu lado. Tio Marcelo voltou prá Pernambuco e foi ser quimico na Usina Mussurepe, em Paudalho. Não sei se papai chegou a trabalhar com ele ou se arrumou logo emprego como " chefe de fabricação"  na Usina Trapiche. O que sei é que a familia armou um encontro entre os dois e mamãe à primeira vista, o detestou  ao ponto de se esconder quando ele aparecia na sua casa para uma visita. Ela falava que achou papai, o homem mais feio do mundo e não queria saber dele. Deve ter dado trabalho a Seu Abel para conquistá-la . Eu sei que a coisa não foi fácil. Aos poucos , ele foi se chegando e jogando seu charme prá cima da "solteirona", que acabou caindo nas suas graças. Começaram a namorar e claro, com o aval da familia ,que fazia o maior gosto. Noivaram durante algum tempo e se casaram no dia 23 de janeiro de 1937, na igreja do convento de S. Francisco, em Sirinhaém. Na foto do casamento, ela muito bonita com seu vestido branco , véu e grinalda, parecia uma deusa grega e ele, todo apertado no seu terno branco, com a maoir cara de felicidade. A  grinalda de flor de laranjeira ,ficou guardada durante anos, no santuário. Lembro muito do seu sapato branco de casamento, que eu destrui, usando-o como qualquer menina que adora um salto alto. Como eu achava lindo aquele sapato,  já amarelado pelo tempo !
                 Estava feito o princípio de tudo. Casaram e foram morar na Usina Trapiche, na rua da Báia, depois da casa grande. Mamãe, muito submissa e papai muito ciumento. Também pudera, conseguiu uma flor de mulher e só tinha mesmo que ser ciumento. Ela também tinha seus ciumes e não gostava nada das histórias da Bahia. Gemi, filha de tio Marcelo, lhe contou sobre a Mariana, falando inclusive que ela e papai tinham até combinado o nome da filha que tivessem juntos, que seria Mabel ( Ma de Mariana e Bel de Abel ). Mamãe ficou quieta e nunca comentou nada com ele, que não sabia da fofoca de Gemi, até que quando eu nasci (  a primeira menina ),Papai sugeriu que o meu nome fosse Mabel, o que deixou Mamãe muito contrariada , não aceitando a sugestão,apesar do argumento dele de que seria Ma de Maria e Bel de Abel. Não teve jeito, virei Graça Maria, em homenagem a ela. Quanto a ele manteve na cabeça esse nome e quando a Leila nasceu me criticou na escolha do nome que a seu ver poderia ser Mabel, em homenagem a ele e Mamãe. Como eu não tinha pensado no assunto e já tinha registrado a minha filha, Luiza usou o nome na filha dela , para lhe fazer uma homenagem.
                Lembro que Valério era seminarista, aliás um" minipadre", quando certa vez, mamãe estava sozinha com ele numa loja em Recife ( Viana Leal ), e deles se aproximou uma mulher desconhecida ,que perguntou se o menino era filho de Abel. Mamãe botou na cabeça que era a ex-namorada de papai, aquela da Bahia e chorou muito por causa disso.
                Mamãe ficou grávida de Valério, quase um ano depois do casamento e quando ainda o esperava , sua tia perguntou se não queria uma menina de sete anos, orfã de um empregado do engenho dela , cuja mãe não tinha condição de criar e foi aí que Lia chegou na nossa vida. Lia teve um papel muito importante na nossa história. Ela ajudou mamãe na nossa criação e esteve conosco em todos os momentos da nossa infância e adolescência.
                Formada a familia com a vinda de Valério, mamãe que era boa parideira trouxe  mais cinco ao mundo : Carlos, Murilo, eu , Eduardo e Luiza, uma turma da pesada que  deu o maior trabalho aos dois ,que amaram profundamente suas crias. Fomos muito felizes ao lado dos nossos pais e eu particularmente me considero privilegiada de ter feito parte dessa família maravilhosa. Infelizmente Mamãe foi embora muito cêdo, não tendo tempo de ver tanta coisa boa que aconteceu nas nossas vidas. Papai, coitado, não conseguiu ficar sozinho por muito tempo e logo foi ao seu encontro. A relação dos dois era muito bonita. Eu não lembro de ter visto brigas e desavenças entre eles. Lembro dele, sempre muito atencioso e cuidadoso com ela, dos dois muito unidos, não se largando nunca e quando acontecia uma breve separação, ela se debulhava em lágrimas.Era comum vê-los se abraçando pelos cantos da casa, mesmo quando mais velhos Mamãe foi muito submissa a ponto de nunca sair sozinha sem ele. Papai , sempre pôs tudo dentro de casa e ela não sabia sequer quanto custava um pacote de café. Até sua roupa íntima, era ele que comprava e acho que a sua submissão foi a forma que encontrou de viver em harmonia e com certeza, foi feliz assim. Tivemos uma criação totalmente patriarcal e acho que resquicios dessa formação ainda são sentidos em nós. Hoje, vejo  tudo com muita graça e adoro lembrar dessas peculiaridades.
                 A saudade é muito grande e me leva a sonhar com tudo que vivemos. A vontade de que outros saibam de como foi a nossa vida, talvez prá que nos entendam melhor, me faz registrar essas memórias que até podem ser contestadas ou acrescentadas pelos meus irmãos que como eu ,tiveram um pouco do paraiso nas mãos !!!

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