Sto. Antonio passou , foi
festejado e mais do que isso cobrado pelas meninas, moças e até velhas que
queriam um casamento de qualquer jeito “
nem que for no militar”. As adivinhações foram muitas, os castigos também e o
pobre coitado do santo que virou cupido um dia , nunca mais foi deixado em paz. Espero
que pelo menos, tenham feito muita festa
pra ele, com muita fogueira, fogos e tudo. Aliás , acho uma grande injustiça tudo isso, porque
enquanto São João dorme, Sto. Antônio trabalha pra mulherada e quem é mais
homenageado é o outro. E ainda tem São Pedro que vem depois. É um mês de
alegria para o povo nordestino que não mede esforços para fazer festa das boas.
De longe , acompanho os
folguedos e é hora de ir lá pra Usina Trapiche, buscar as lembranças e botar a
cachola pra funcionar , caprichando nos detalhes. É a vez e hora dos
sanfoneiros atacarem com suas
músicas gostosas de ritmo sacudido, bom
pra dançar.
A essa altura, já preparamos o
milho , o coco, a castanha e mamãe com
sua habilidade , mostrava como se fazer a melhor canjica, aquela pamonha
incomparável e o pé de moleque mais
gostoso. Ela ainda fazia o bolo Souza Leão, que não podia faltar. E antes de
começar a festa, nos servia o seu mingau de milho verde, delicia exclusiva sua.
O banquete estava pronto e era
hora de tomarmos banho e vestir as roupas novas que dona Graça havia feito. Num
dia assim, nem precisava mandar e todo mundo corria para o banheiro, disputando
quem ia primeiro. Nossa curiosidade era para com a caixa cheia de fogos que
papai distribuiria em seguida. Era chegado o melhor momento. Seu Abel , muito solene ,entregava os fogos
de acordo com a idade. Os mais velhos tinham direito até aos foguetes e fogos
mais potentes. Havia as pistolas , os vulcões, busca-pés, peido de véia ,
cobrinha elétrica, chuva de prata estrelinhas , traques de massa e outros que
não lembro. Fazíamos a nossa festa no céu.
Às seis horas da tarde, quando
começava a escurecer, o nosso pai cumpria a solene missão de acender a
fogueira, coisa que só ele sabia fazer e nós já começávamos a farra dos fogos.
A casa se enchia de fumaça e Lia coitada, a essas alturas já gritava no
banheiro, porque os meninos enfiavam fogos pelo buraco da fechadura e deixavam
ela louca de desespero. Era muito bom ! Fecho os olhos e posso ver os foguetes
subindo e a gente correndo com medo que as tabocas nos caíssem na cabeça. Bolas
luminosas e coloridas estouravam no céu , o vulcão jogava fogo e fagulhas
coloridas enchendo nossos olhos de sonho e alegria. Brincávamos em volta da
fogueira que ardia rápida e voraz e assávamos o milho em espetos que papai
preparava pra isso.
Nessa época , sempre havia uma
chuvinha que não conseguia atrapalhar a nossa festa, mas com certeza devia
perturbar dona Graça, porque na nossa euforia , entrávamos e saíamos de casa, sujando tudo. Brincávamos e
devorávamos as gostosuras que estavam na mesa.
Como sempre era tudo muito mágico !
O clube promovia o baile com
quadrilha e pela noite a dentro o arrastape´ rolava na maior alegria. E a
grande fogueira queimava até o dia seguinte.
Em 1955, lembro com um pouco
de tristeza que a nossa noite de São João, não foi das mais alegres. Os três
irmãos mais velhos estavam em Recife estudando e não passaram a festa conosco.
Não sei se por eles não terem ido pra Usina ou se porque diante das despesas
com duas casas, a grana estava curta, nós três que ficamos lá, Eduardo, Luiza e
eu, não tivemos fogos e sofremos com isso. Papai deve ter sofrido muito mais ,
vendo-nos queimar papel e jogar pra cima como se fossem fogos.
No ano seguinte, não foi diferente.
Aí Murilo também estava na Usina, porque foi o ano que ficou sem estudar. Luiza
estava com catapora e o São João também minguou. Não tivemos a nossa festa de
sempre e por muita insistência minha e de Murillo, papai nos deixou ir até o
clube, na condição de voltarmos às 10 :00 h.
Eduardo era muito pequeno e ficou com Luiza. Murilo e eu fomos para o
clube e lá ficamos dançando e nos divertindo. Murilo, mais consciente, me
chamou para ir embora na hora determinada por papai, ao que respondi que ainda
era cedo e ficaríamos um pouco mais. Quando chegamos em casa, já era quase meia-noite. Chegamos muito quietos e quando
tentamos abrir a porta que deveria estar aberta, a surpresa : papai estava sentado na sala nos esperando.
As desculpas esfarrapadas não adiantaram nada e ele devagar, tirou o cinturão
da cintura e claro , primeiro me pegou ,porque sabia que a responsabilidade era
minha. Levamos umas boas cintadas na bunda, pela nossa desobediência. Só que eu
estava com muita saia de armar e Murilo com uma calça grossa e não doeu nada.
Eduardo e Luiza ficaram gloriosos porque não tinham ido e adoraram a surra.
Murilo e eu ficamos dando risadas depois que papai saiu. Na verdade a surra foi
só pra manter a ordem, porque papai não era de espancar filho.
Quanta recordação e que
saudade desse tempo! Que criaturas maravilhosas eram nossos pais. Como foram sábios em nos passar valores e
como souberam proporcionar magia e encantamento na nossa infância
privilegiada! Papai , apesar de ser
muito carrancudo , não nos impôs medo e sim respeito e mamãe, aquela criatura
doce, frágil e emotiva, sabia manter a harmonia e o equilíbrio do lar !!!
Graça,junho/2012
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