quinta-feira, 21 de junho de 2012

VÉSPERA DE SÃO JOÃO NA USINA TRAPICHE


              
 

              Sto. Antonio passou , foi festejado e mais do que isso cobrado pelas meninas, moças e até velhas que queriam  um casamento de qualquer jeito “ nem que for no militar”. As adivinhações foram muitas, os castigos também e o pobre coitado do santo que virou cupido um  dia , nunca mais foi deixado em paz. Espero que pelo  menos, tenham feito muita festa pra ele, com muita fogueira, fogos e tudo.  Aliás ,  acho uma grande injustiça tudo isso, porque enquanto São João dorme, Sto. Antônio trabalha pra mulherada e quem é mais homenageado é o outro. E ainda tem São Pedro que vem depois. É um mês de alegria para o povo nordestino que não mede esforços para fazer festa das boas.
                De longe , acompanho os folguedos e é hora de ir lá pra Usina Trapiche, buscar as lembranças e botar a cachola pra funcionar , caprichando nos detalhes. É a vez e hora dos sanfoneiros atacarem  com suas músicas  gostosas de ritmo sacudido, bom pra dançar.
                 A essa altura, já preparamos o  milho , o coco, a castanha e mamãe com sua habilidade , mostrava como se fazer a melhor canjica, aquela pamonha incomparável e o  pé de moleque mais gostoso. Ela ainda fazia o bolo Souza Leão, que não podia faltar. E antes de começar a festa, nos servia o seu mingau de milho verde, delicia exclusiva sua.
                 O banquete estava pronto e era hora de tomarmos banho e vestir as roupas novas que dona Graça havia feito. Num dia assim, nem precisava mandar e todo mundo corria para o banheiro, disputando quem ia primeiro. Nossa curiosidade era para com a caixa cheia de fogos que papai distribuiria em seguida. Era chegado o melhor momento.  Seu Abel , muito solene ,entregava os fogos de acordo com a idade. Os mais velhos tinham direito até aos foguetes e fogos mais potentes. Havia as pistolas , os vulcões, busca-pés, peido de véia , cobrinha elétrica, chuva de prata estrelinhas , traques de massa e outros que não lembro. Fazíamos a nossa festa no céu.
                 Às seis horas da tarde, quando começava a escurecer, o nosso pai cumpria a solene missão de acender a fogueira, coisa que só ele sabia fazer e nós já começávamos a farra dos fogos. A casa se enchia de fumaça e Lia coitada, a essas alturas já gritava no banheiro, porque os meninos enfiavam fogos pelo buraco da fechadura e deixavam ela louca de desespero. Era muito bom ! Fecho os olhos e posso ver os foguetes subindo e a gente correndo com medo que as tabocas nos caíssem na cabeça. Bolas luminosas e coloridas estouravam no céu , o vulcão jogava fogo e fagulhas coloridas enchendo nossos olhos de sonho e alegria. Brincávamos em volta da fogueira que ardia rápida e voraz e assávamos o milho em espetos que papai preparava pra isso.
                Nessa época , sempre havia uma chuvinha que não conseguia atrapalhar a nossa festa, mas com certeza devia perturbar dona Graça, porque na nossa euforia , entrávamos e saíamos  de casa, sujando tudo. Brincávamos e devorávamos as gostosuras que estavam na mesa.  Como sempre era tudo muito mágico !
                O clube promovia o baile com quadrilha e pela noite a dentro o arrastape´ rolava na maior alegria. E a grande fogueira queimava até o dia seguinte.
                 Em 1955, lembro com um pouco de tristeza que a nossa noite de São João, não foi das mais alegres. Os três irmãos mais velhos estavam em Recife estudando e não passaram a festa conosco. Não sei se por eles não terem ido pra Usina ou se porque diante das despesas com duas casas, a grana estava curta, nós três que ficamos lá, Eduardo, Luiza e eu, não tivemos fogos e sofremos com isso. Papai deve ter sofrido muito mais , vendo-nos queimar papel e jogar pra cima como se fossem fogos.
            No ano seguinte, não foi diferente. Aí Murilo também estava na Usina, porque foi o ano que ficou sem estudar. Luiza estava com catapora e o São João também minguou. Não tivemos a nossa festa de sempre e por muita insistência minha e de Murillo, papai nos deixou ir até o clube, na condição de voltarmos às 10 :00 h.  Eduardo era muito pequeno e ficou com Luiza. Murilo e eu fomos para o clube e lá ficamos dançando e nos divertindo. Murilo, mais consciente, me chamou para ir embora na hora determinada por papai, ao que respondi que ainda era cedo e ficaríamos um pouco mais. Quando chegamos em casa, já era quase  meia-noite. Chegamos muito quietos e quando tentamos abrir a porta que deveria estar aberta, a surpresa :  papai estava sentado na sala nos esperando. As desculpas esfarrapadas não adiantaram nada e ele devagar, tirou o cinturão da cintura e claro , primeiro me pegou ,porque sabia que a responsabilidade era minha. Levamos umas boas cintadas na bunda, pela nossa desobediência. Só que eu estava com muita saia de armar e Murilo com uma calça grossa e não doeu nada. Eduardo e Luiza ficaram gloriosos porque não tinham ido e adoraram a surra. Murilo e eu ficamos dando risadas depois que papai saiu. Na verdade a surra foi só pra manter a ordem, porque papai não era de espancar filho.
                    Quanta recordação e que saudade desse tempo! Que criaturas maravilhosas eram nossos pais.  Como foram sábios em nos passar valores e como souberam proporcionar magia e encantamento na nossa infância privilegiada!  Papai , apesar de ser muito carrancudo , não nos impôs medo e sim respeito e mamãe, aquela criatura doce, frágil e emotiva, sabia manter a harmonia e o equilíbrio do lar !!!

Graça,junho/2012

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