sexta-feira, 30 de março de 2012

O Crime de AMARA




                    Mais uma vez, a Usina Trapiche é palco das minhas memórias. Aquele paraíso  de açúcar, onde nós crianças vivemos momentos de verdadeira felicidade,  não tinha noticiário policial e tudo era paz. De vez em quando alguém fazia uma transgressão nada significante e ninguém  alimentava qualquer tipo de neura  em relação ao perigo ou às maldades humanas.  O lugar era  realmente  muito  pacífico e de uma  certa  forma não  nos preveniu  contra  as maldades do mundo. Acho que naquela época , ainda não tinham aberto as portas do inferno e as almas perversas existiam em menor quantidade.  Não acredito que tivesse alguma coisa a ver com  melhor administração pública ou coisa que o valha, porque desde que me entendo por gente o aspecto político sempre foi sofrível.  Talvez existisse mais educação  doméstica, mais famílias estruturadas, mais respeito às leis e menos audácia dos espertos de carteirinha.
                   Hoje , temos o desenvolvimento  cultural, econômico, tecnológico, informático, facilitando a vida e aproximando o mundo, numa globalização frenética. Pagamos o alto preço da perda de valores, de segurança, de paz. É maravilhoso, pegar um avião e em poucas horas estar do outro lado do mundo,  apertar um simples botão e ver o que acontece em qualquer parte ao vivo  ou poder se comunicar sem fio, sem aparato , da forma mais simples possível. Vivemos um momento de resultados da incrível  inteligência humana, concretizada em  grandes e magníficas  invenções.   Tudo isso me deslumbra, tudo é muito  fantástico ! Apesar de tudo, sofremos as conseqüências  de tanta criação e também de tanta destruição.  Isto , todos nós sabemos e sentimos na pele. 
                  O que eu quero mesmo, sendo menos prolixa, o que é meio difícil, é contar a minha história,  que me proponho desde o início. Prá isso tenho que voltar à Usina Trapiche, meu oásis  interior ,nesse mundo desértico e cheio de agruras.
                  No clube da Usina , tinha um bar sempre aberto, onde íamos tomar alguma coisa de vez em quando.  AMARA   era a moça que atendia no balcão e uma ótima pessoa que todos conhecíamos e com quem  sempre falávamos.  Ela morava em Rosarinho,  um lugar um pouco afastado mas que permitia que viesse todos os dias cumprir suas obrigações de funcionária do bar. Tudo bem.  Um dia tivemos a notícia que ela havia assassinado uma moça. Aquilo ecoou como uma bomba.  Todos se mobilizaram para obter maiores informações  e foi um acontecimento inédito na nossa pacata Usina, um verdadeiro rebu.
               Depois de muita especulação ficamos sabendo que ela discutiu com uma vizinha por causa de um pássaro. Não lembro bem o motivo certo da briga, só sei que a filha da vizinha, uma mocinha de uns 13 ou 14 anos, por ver que a contenda estava se agravando, resolveu ir buscar ajuda com o pai que era funcionário da Usina e no momento estava   trabalhando.  O caminho era um tanto deserto e cheio de vegetação.  Amara, percebendo que a menina  saíra em busca de socorro, se armou de uma faca e conseguiu fazer um atalho e ficar de tocaia no meio do trajeto, dominando sua vítima e desferindo golpes de faca, matando-a.    Fugiu em seguida e se embrenhou no mato. Aí veio a polícia de Sirinhaém  e empreenderam a busca da autora do crime.
               A menina morreu na hora . As pessoas iam e vinham e a gente que era criança, ficava na maior curiosidade , por se tratar de um fato inusitado  no nosso pequeno lugarejo.  O acontecido teve uma repercussão enorme e nos deixou muito assustados. Lembro que chorei muito de pena da menina que morreu e de pena de ver a figura daquela mulher desfigurada pelo arrependimento. Depois de algum tempo, a polícia encontrou  Amara  e  a colocaram numa caminhonete, que ficou parada durante algum tempo, na frente da Usina. Fomos lá  e eu nunca esqueci a expressão do seu rosto, o desespero do seu olhar. Aquela moça que sempre nos atendia tão bem e parecia gostar de crianças, ali estava acuada, desalinhada, indo para a cadeia. Foi a última vez que a vi e sei que foi julgada e pagou pena em um presídio,reduzindo seu tempo por bom comportamento.
                  Foi a primeira vez que me vi diante de um crime tão bárbaro e por um motivo tão fútil. Não entrava na minha cabeça, como alguém que eu conhecia de perto e sabia ser uma boa pessoa, podia cometer tamanha  ignomínia. A pergunta não era só minha mas de todos que não estavam acostumados com esse tipo de coisa. Naquela época e principalmente para nós que vivíamos em lugar tranqüilo, foi o acontecimento mais chocante. Matar alguém era uma coisa abominável, um pecado contra Deus e a vida, bem diferente do que acontece hoje, que o homicídio se banalizou.  As pessoas matam por motivos tão torpes quanto os da Amara e parece que já nos acostumamos com isso.
                    Fico muito angustiada com o esvaziamento moral  dos tempos atuais e peço a Deus que não permita que o homem , um ser racional , se deixe levar pela falta de sentimentos,  sujando de sangue as suas mãos e seu espírito por conta de  um impulso tão reprovável. Peço também, para que a Justiça  seja sempre feita  com sabedoria ,para que não haja tanta impunidade.
                     O crime de AMARA, me marcou muito como criança e me fez ver como é fácil tirar a vida de alguém, como somos  passíveis de um descontrole emocional, como somos passionais e impulsivos.  Quantos   agem  de forma inesperada , sem que sejam pessoas más ?  Falta Deus no coração das pessoas e hoje muitos tem vergonha de professar uma fé , abrindo as  portas   para a intolerância, para o sadismo e a necessidade  de se sobrepor aos bons princípios e às leis divinas e humanas !!!

Graça/2012

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