O ano de 1956 foi um ano atípico. Enquanto todos nós, os Paurá Peres, estudávamos como era o normal, Murillo que tinha bombado dois anos seguidos, ficou na Usina . Foi um castigo que papai lhe impôs , só que com direito a bicicleta e tudo. O castigado adorou ficar um ano inteiro sem estudar, só curtindo a vidinha gostosa do nosso mundo açucarado. Murillo adorava jogar bola e quase se profissionalizou, ainda mais que teve um ano inteiro prá treinar. Eu o achava o máximo ! Ele já era um rapazinho cheio de “ munganga” e eu ainda era menina. Lembro como se fosse hoje, ele na frente do espelho, que ficava na copa, arrumando o cabelo prá sair. Aliás diga-se de passagem que era o único de nós que tinha o cabelo liso e isso era a sua diferença . Ele enchia o cabelo de” gumex “ , o gel fixador da época, ou de sabonete e fazia aquele topete do Elvis Presley , dobrava a manga da camisa deixando-a curtinha , se arrumava todo, se perfumava prá sair. Estávamos às vezes jantando e de repente ouvíamos a campainha de uma bicicleta lá fora. Lia, que não deixava passar nada, falava : “ Chegou a nega de Murilo” e todo mundo ficava tirando sarro. Era o amigo dele, companheiro das aventuras e dos passeios de bicicleta. Os dois eram inseparáveis.
Apesar de Murillo ter repetido o 1º ano do ginásio, por dois anos seguidos , nunca vi Papai ou Mamãe ficarem cobrando isso dele. Ficar um ano sem estudar, foi o castigo e pronto, o resto era festa.
Era o meu último ano de escola e um novo problema se desenhava na cabeça de Seu Abel. O que fazer no próximo ano? Mais um de seus filhos alcançava a idade de ir para o colégio e ele tinha que dar um jeito. Valério e Carlos moravam numa pensão e a despesa já era grande. Murillo teria que voltar ao colégio e eu já estava chegando. Lembro que nesse ano, tio Marcelo ( irmão de Papai ) foi nos visitar na usina e nos convidou prá ir com ele prá Mussurepe, a usina onde ele era químico. Acho que já era final de ano, porque eu estava em férias. Fomos com ele, eu e Murilo e, passamos uns dias muito gostosos . Eu adorava o tio Marcelo e tia Hilda. Os dois formavam um casal maravilhoso, eram muito liberais e a gente ficava à vontade com eles. Nesse período, a interrogação quanto a mim , estava no ar. Passou o Natal e nada de se resolver o meu destino. A praia foi cancelada e ficamos todos na Usina. De repente , não sei como, ficou resolvido que eu iria para um colégio interno. Tia Mana falou com papai que ela assumiria meus estudos. Só que eu já tinha perdido o exame de admissão ao ginásio, no final do ano e fui para o colégio em fevereiro e fiquei interna por 15 dias para fazer o exame de 2ª época. Não tive dificuldade e passei em primeiríssimo lugar, uma grande vitória prá aquela menininha caipira , pela primeira vez enfrentando a cidade grande. Eu me apaixonei pelo colégio. Era outro mundo e eu fiquei deslumbrada com tudo.
E começamos 1957, com muitas soluções. Valério Foi convidado pelos tios do Rio ( tia Ção, Vita e Apolônio) e foi embarcado prá lá.Sofri muito com esta separação, afinal estava me separando de um irmão pela 1ª vez e ainda mais de Valério, que era meu ídolo. Carlos foi prá casa de tio Marcelo , Murillo foi prá casa de tia Auta e eu fui interna no Instituto Maria Auxiliadora, das irmãs Salesianas, onde estudei por 7 anos. Enfim , eu e Murillo fomos fazer o 1º ano do ginásio. Eu interna e ele na casa da tia Auta, estudando ele e Carlos ,no Colégio Estadual de Pernambuco, talvez a mais respeitada instituição de ensino da época .Apesar da mudança radical na minha vida , eu adorei o colégio e me adaptei muito bem, sem nunca ter tido qualquer problema. O sistema era rígido no que se referia aos estudos e à disciplina , mas eu amava estar ali. O chato é que além das férias de julho e do final do ano, só tínhamos direito a duas saídas. Podia sair no dia escolhido e tinha que voltar no mesmo dia. Prá mim , não fazia muita diferença, porque não dava mesmo prá ir prá casa e eu me conformava com as visitas aos Domingos, de Murillo, que sempre me levava uma barrinha de doce. Todo Domingo , ele chegava muito tímido, porque as outras meninas ficavam me chamando e gritando que Graço Mario estava me esperando. Na verdade elas eram doidas por ele ,mas não tinham acesso.
O colégio foi uma benção na minha vida. Lá eu vivi muitas coisas boas e aprendi muito. Graças a Deus , saí de um mundo mágico da Usina Trapiche e entrei num outro maravilhoso. Acho que o fato de ter ficado alguns anos em outra redoma foi de certa forma muito valioso. Eu só tive contato com o mundo real quando já era uma mocinha com 16 anos e assim mesmo saí do colégio para morar na casa de tia Mana, onde eu era protegida e amada, sem conflitos.
Quanto a mim ,a partir daí , tenho muito o que contar. Em 1957, nossa vida mudou radicalmente. Fomos separados pela necessidade de estudar e isso nos afetou muito. Deixar a Usina Trapiche, foi um salto para o desconhecido e cada um de nós teve a sua quota de sofrimento e dificuldade. Cada um tem sua história prá contar . Graças a Deus tivemos uma boa formação e muita ajuda da família e não nos perdemos. Todos seguiram seus caminhos e tiveram suas conquistas !!!!
Graça,março/2012
Dona Graça,
ResponderExcluirParabéns pelo texto! Me emocionei em alguns trechos, ri em outros... Aquela do "Graço Mário" me arrancou gargalhadas... Muito bom!
Imagino que o sacrificio para que todos os filhos estudassem, não foi só das crianças, mas dos pais e tios também. Fico feliz em saber que a vida foi generosa com vocês, que todos tiveram uma boa formação e hoje estão bem.
Valeu a pena, né Dona Graça?
Abraços,
Dilti
Obrigada Dilti! Que bom que curtiu um pouco das minhas memórias! Um abraço.
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