sábado, 11 de fevereiro de 2012

CARNAVAL DA USINA

            Sempre que chega o Carnaval, dou uma fugidinha lá prá Usina Trapiche e me deixo levar pelas lembranças, ainda tão nítidas e tão presentes. Naquele lugar, um pouco escondido no canavial verdinho e cheio de movimento, como se estivesse sempre a bailar no espaço , no meio do nada. Apesar de parecer que ali só havia céu, morros  , várzeas e aquele mar verde de cana farfalhando e nada mais, impressão que tínhamos antes de chegar ao pequeno lugarejo, nosso  mundo à parte, não podíamos imaginar que aquilo era mesmo que a” feira de Caruaru,” onde de tudo tinha um pouco. Era tão longe e tão fora do nosso alcance mas o mais importante estava lá. Não fomos nem um pouco marginalizados, nem desinformados, muito pelo contrário, nossa vida era bastante movimentada, mesmo porque nós nos encarregávamos de fazer o movimento.  Tínhamos  até um maravilhoso e inesquecível CARNAVAL.
                                                                                                                                                                      Perto dos dias de Momo, quase sempre estávamos na praia e acho que isso dependia da data da festa. Quando acontecia de passarmos lá, era menos  badalado  porque contávamos apenas com os dois clubes que eram meio ”privês”  dos habitantes do lugar e o embalo não tinha muita graça. Estávamos mais envolvidos com a praia e o Carnaval não tinha muita importância. Acho que Lia é que sentia mais falta, porque era uma moça e, namoradeira da pior qualidade, então devia sentir falta dos amassos. Lia era muito assanhada e até na praia ela arranjava namorado. Quem não se lembra de Tonho Bim ? É, a danadinha gostava da coisa!
             Mas vamos ao Carnaval de  nossa Trapiche,porque esse é um assunto que me deixa animada  de fato. Na Usina, era tudo de bom. À medida que ia chegando perto, já  ficávamos no maior  alvoroço. Quando muito pequenos, a curtição era de mamãe que fazia fantasia prá turma toda e não faltava um marinheiro, uma japonesa, uma dama antiga, um palhaço, um pirata, etc. Lembro muito pouco dessa fase, mas mesmo assim tenho na memória,  um desses Carnavais que ela me fantasiou de japonesa ou chinesa e eu fiz par com Pitita, filho do vizinho. Lembro que eu tinha uma sombrinha e cara de oriental e que fiquei muito braba porque tiraram foto minha com o tal menino. Depois, lembro vagamente de uma fantasia de “dama antiga” que eu tive que usar uma armação de arame por baixo da saia, o que me incomodou muito e uma tapioca na cabeça, sem  esquecer  dos cachinhos nos cabelos , meu grande trauma.  Coisas de Dona Graça que era cheia das idéias. Na época, nosso Carnaval consistia apenas em vestir nossas fantasias e participar do baile infantil, à tarde, ao som de  marchinhas ,  jogando confete e serpentina e fazendo nossa farra de criança. O confete vinha numa sacolinha  de filó e as serpentinas, nunca aprendi a jogar, sempre jogava o rolo inteiro, que normalmente era recolhido para novo arremesso.
             Fora essa fase da  “era dos dinossauros”, o negócio era muito bom. Carnaval significava festa durante quatro  dias e nós, já crianças maiores, participávamos dos bailes noturnos no clube.  Começava com as marchinhas que tínhamos que aprender e todos hão de convir que eram maravilhosas. Os frevos, então, nem se fala. Além  das antigas, como” Jardineira”; “Pierrô Apaixonado”;   “Chiquita  Bacana” e outras,  havia as atuais de cada ano como” Nós, nós os carecas”; “Maria Candelária”; “Mamãe eu quero mamar”; “Você pensa que cachaça é água!”; “Chegou a turma do funil” ; “Menina vai, com jeito vai...” e  muitas outras que continuam sendo cantadas, porque hoje a produção de marchinhas é bastante deficiente. Podemos dizer que o Carnaval de hoje tem uma conotação diferente, com a evolução dos desfiles de Escolas de Samba, Trios Elétricos e outras novidades que surgem a cada ano, tendo se transformado numa festa de muita ostentação e exibicionismo, mais espetáculo do que propriamente uma manifestação popular com características tradicionais. Pouco se preserva a cultura , que em alguns lugares, com muita dificuldade se mantém  viva. O povo participa e gosta do Carnaval atual, não resta a menor dúvida, mas deixou de ser uma festa  espontânea , passando a ser uma coisa previamente organizada e cara. Na realidade, perdeu o romantismo dos  pierrôs , colombinas e arlequins, dos corsos, dos jetons, dos blocos e da diversidade folclórica. Afinal, estamos na era dos eletrônicos e a curtição dos jovens é outra.
              Com certa antecedência, papai providenciava os confetes e serpentinas e melhor que tudo a lança-perfume. Esse item era o mais importante.  Ganhávamos todo ano, lança-perfume da marca Rodouro. Elas eram douradas, de metal e peça importante no Carnaval. O perfume que deixava no salão era inigualável.    Geralmente, ganhávamos alguma roupa nova carnavalesca e nos divertíamos a valer. A farra começava durante o dia, com os banhos de talco e água que dávamos uns nos outros, fazendo uma bagunça enorme.
               No Sábado de Zé Pereira, logo à tarde ficávamos esperando os “Caboclinhos” e a “La Ursa” que vinham dos engenhos e desfilavam na frente da nossa casa e nós achávamos  o máximo  e  corríamos para vê-los passar com suas  fantasias  rudimentares e improvisadas da melhor forma que podiam, mas que aos nossos olhos infantis eram  encantadoras . Era o nosso folclore, que surgia, mesmo na distante Trapiche e que nos encantava e divertia.       Depois a banda de música da Usina, vinha tocando frevo e o povo ia se juntando e parando de  casa em casa para os aperitivos e petiscos.  E todos iam atrás dançando e cantando pela rua. Não preciso dizer que era o início da bebedeira. Estavam abertos os festejos. Todo mundo já tinha se lambuzado de talco, se submetido ao molha- molha e agora era só continuar a brincadeira.
            À noite, havia baile no clube que já estava decorado e preparado para a folia.  A decoração era caprichada e não devia nada a muitas que já vi na vida. Lembro de umas máscaras  enormes que decoravam o salão. A Usina contratava orquestra que vinha de fora e pessoas de outros lugares participavam da folia, porque o nosso Carnaval era da melhor qualidade. Confesso que dançar, nunca foi minha praia e por isso, era só pular e tava tudo certo. Nunca aprendi, para minha grande frustração, a dançar o frevo, coisa da qual me arrependo até hoje. Dancei muito de farra, prá Mamãe ver e, numa dessas, caí e quebrei o cóccix, o que me deu um rabinho de presente.  Mamãe dava muita risada com essas minhas palhaçadas  e eu adorava fazê-la rir. Papai era um grande carnavalesco e se derretia todo quando  cantavam a marchinha dos carecas, porque as pessoas cantavam “prá que cabelo, prá que Seu Abel?...”  ou quando tocava Maracangalha, sua música preferida porque o fazia  lembrar dos tempos da Bahia. Ele, com suas pernas duras, sem o menor jeito prá dança, se divertia  prá valer. Brincávamos a noite toda até raiar o dia e tudo era maravilhoso. Quando tocavam Vassourinha, ninguém ficava parado  e o salão pegava fogo como é comum acontecer na terra do frevo.
           Os Carnavais da Usina eram tão bons e tão animados que mesmo depois de adultos passávamos lá. Meus três primeiros filhos,  Flávia , Silvia e Marcio, talvez tenham lembrança das matinês que tiveram oportunidade de participar , quando pequenos. Num desses Carnavais que fomos passar na Usina, todos  adultos , fomos convidados por Carlos a ir uma noite para Sirinhaém, quando ele era Vice Prefeito .  Fez propaganda de  um baile municipal muito bom  e  fomos conferir. Não posso deixar de contar essa  passagem engraçada  da nossa  querida e saudosa figura. Carlos era um grande folião e no meio de muita gente que estava no clube, desapareceu de repente. Ele se agarrava com a primeira que encontrasse e fazia  sua festa com a nova companhia . Depois de muito tempo, lá vem ele, agarrado com uma “menina” muito feia, todo animado, cantando:” A minha dentadura caiu no chão... ”e o detalhe da história é que a “gata” não tinha um só dente na boca. Tivemos que sair de perto porque não dava prá agüentar as  caras e bocas que ele muito sem vergonha ,fazia.  Eram as famosas  presepadas de Carlos.
           Quantas lembranças boas e quanta saudade! Quanta saudade da lança-perfume e dos porres  escondidos ! Era bom demais molhar o lenço e dar umas cheiradinhas inocennnntessss.  Ih!!!!!  Isso não era prá ser contado... mas   já foi e era coisa só minha, JURO!!!

Graça, Jan/2012

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